2025-09-18 08:24:12.0

Sem regulação, plataformas digitais comprometem soberania no Brasil

Pesquisadores da UFSCar alertam para dependência de big techs e propõem alfabetização digital, investimento público e legislação robusta

O domínio de plataformas digitais estrangeiras comandadas por big techs deixou de ser apenas um debate tecnológico no Brasil. A concentração de dados e infraestrutura fora do país limita a capacidade de ação do governo e fragiliza a democracia - ou seja, compromete, também, a soberania nacional. É o que apontam pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com base em análise de dados da Consulta Pública promovida pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), em 2023. O estudo acaba de ser publicado na revista poliTICs (https://politics.org.br/pt-br/governanca-news/soberania-digital-e-regulacao-de-plataformas-no-brasil-uma-analise-dos-desafios-e).
"O capitalismo de hoje não é apenas financeiro, é o capitalismo de dados. Produzimos informações gratuitamente, que são transformadas em valor econômico por grandes corporações, sem qualquer regulação", situa Vinício Carrilho Martinez, docente do Departamento de Educação (DEd) e do Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade (PPGCTS) da UFSCar e autor da publicação.
A pesquisa examinou as contribuições enviadas ao CGI.br por pessoas e organizações dos quatro setores que compõem o colegiado: governo, terceiro setor, empresas e comunidade científica e tecnológica. Também foram considerados dados da pesquisa TIC Domicílios 2023 e ampla revisão bibliográfica, com o objetivo de sistematizar o material de forma crítica, apontando vulnerabilidades e caminhos para a soberania digital.
Além de Martinez, participaram do estudo Arlei Olavo Evaristo, analista de Tecnologia da Informação (TI) da Secretaria Geral de Informática (SIn) da UFSCar e doutorando do PPGCTS, e Simone Regassone Grande, assistente em Administração da Pró-Reitoria de Graduação (ProGrad) da Universidade e mestra pelo mesmo Programa.

Dependência estrutural e colonialismo digital
Os pesquisadores destacam que a dependência tecnológica do Brasil está enraizada na estrutura econômica. "A soberania digital está sendo barrada pelo poder econômico das big techs", afirma Evaristo. Ele lembra que essa lógica já foi descrita pelo economista Celso Furtado: "O Brasil exporta commodities e importa tecnologia. Hoje, todos os nossos dados científicos e educacionais estão em servidores de empresas norte-americanas, e a lei de lá obriga essas companhias a fornecer informações ao governo quando solicitado. Essa dependência estrutural permanece como um desafio crítico para o país", analisa.
O cenário também se reflete na universidade. "Até 2016, as instituições federais utilizavam servidores próprios e software livre. Hoje, e-mails e ferramentas de ensino estão nas mãos de big techs como Google e Amazon, o que faz com que toda a produção científica dependa de sistemas sobre os quais não temos controle. A independência e a soberania já foram comprometidas", reforça Martinez.
Para Simone, essa vulnerabilidade já está naturalizada no dia a dia: "72% das instituições usam e-mail da plataforma Google, revelando fragilidade significativa. Isso mostra o quanto estamos dependentes de corporações estrangeiras, sem autonomia ou controle sobre dados essenciais da ciência e da educação".

Caminhos para a soberania digital
A partir da sistematização dos dados coletados, os pesquisadores identificaram caminhos para a soberania digital, incluindo regulação do setor, fortalecimento de tecnologias nacionais, investimento público em ciência e tecnologia e promoção da alfabetização digital como política de Estado. 
"A regulação, por si só, não resolve. O tripé proposto pela pesquisadora Gesche Joost oferece uma visão integrada, compatível com a complexidade do tema: além de regulamentar, é preciso investir em infraestrutura tecnológica e em alfabetização digital, para que a população compreenda os riscos e não confunda regulação com censura", destaca a pesquisadora.
"Existe um discurso barulhento que tenta reduzir a regulação à censura. Mas, na prática, quem se opõe à regulação geralmente está se beneficiando economicamente da ausência de regras", observa Martinez.
Evaristo acrescenta: "Sem investimento público em universidades e ciência, a dependência tecnológica persistirá. É preciso ampliar a pesquisa, criar plataformas nacionais e investir em alfabetização digital desde o ensino básico".
Martinez reforça que o cenário atual evidencia que a regulação exige criatividade e visão crítica: "Sem isso, não há inovação nem soberania. Só uma atuação integrada - envolvendo governo, universidades, empresas, institutos de pesquisa e sociedade civil - poderá construir uma soberania digital que equilibre autonomia tecnológica, inovação e proteção aos direitos e à segurança dos cidadãos", conclui o docente.

Interdisciplinaridade para análise de problemas complexos
Para os pesquisadores, a produção de estudos como esse corrobora a importância do Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade (PPGCTS) da UFSCar, que em 2025 completa 18 anos e utiliza aportes interdisciplinares oriundos dos Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia.
"O trabalho só foi possível porque reuniu diferentes experiências: a perspectiva da educação e do direito, da Tecnologia da Informação e da gestão pública. Essa diversidade permitiu articular o debate tecnológico com a crítica social e econômica", reforça Evaristo.  Simone complementa: "Sem essa integração, seria impossível compreender as múltiplas dimensões de uma questão tão complexa."
O artigo completo, intitulado "Soberania digital e regulação de plataformas no Brasil: uma análise dos desafios e perspectivas", está disponível na edição especial da revista poliTICs e pode ser acessado em https://politics.org.br/pt-br/governanca-news/soberania-digital-e-regulacao-de-plataformas-no-brasil-uma-analise-dos-desafios-e. Detalhes sobre a publicação estão em https://politics.org.br/tags/politics-40-vol-ii.

anexos:

Estudo da UFSCar acaba de ser publicado na revista poliTICs (Imagem: Freepik)
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