Clipping

Texto na íntegra:

Cansada de se sentir exposta, "olhada como um objeto", de ser assediada, a jovem Larissa Sato, 18, decidiu, há pouco mais de um ano, tornar-se uma Hijab. Hijab é a vestimenta típica das muçulmanas, mas a estudante deixa claro que não se tornou uma muçulmana, e sim uma "mulher velada". O Hijab é composto por uma túnica na altura dos joelhos, usada sobre calças e acompanhada de um véu que cobre os cabelos e o pescoço. "Popularmente as pessoas acabam chamando apenas o véu de hijab e a mulher que o usa também é uma irmã hijab", explica Larissa.

Andando pelo campus da UFSCar Sorocaba, onde cursa o 3º semestre de Economia, sempre coberta, Larissa começou a chamar atenção e despertar a curiosidade os colegas. "Eu sempre achei o véu muito bonito e sempre me indignei com o assédio que as mulheres sofrem, então procurei por muçulmanas e perguntei se seria ofensivo que eu usasse o hijab e elas me explicaram que não, que qualquer mulher pode usar, independente da sua religião." A fim de propagar o costume hijab, ela decidiu criar um evento dentro da Universidade aberto para alunos e não alunos, chamado "Véu: liberdade ou opressão".

World Hijab Day

O World Hijab Day (Dia Mundial do Hijab) teve início em 2013 com iniciativa da jovem Nazma Khan, que se mudou, aos onze anos de idade, de Bangladesh para os Estados Unidos. A ideia surgiu após a jovem sofrer preconceito por ser a única a usar hijab no ensino médio e ser chamada de terrorista na universidade, principalmente após o atentado de 11 de setembro de 2001. Assim como Nazma, Larissa, após tornar-se adepta do véu, passou a ser motivo de chacotas e por isso ciou o evento, com o objetivo de promover a tolerância religiosa e a compreensão, convidando as mulheres - independente de serem muçulmanas ou não - para experimentar o hijab por um dia. "Desde que passei por esta mudança, muitas pessoas se afastaram e eu sofro preconceito constantemente."

Atualmente o World Hijab Day acontece em 116 países, entre eles Estados Unidos, Austrália e México. Em todo o mundo, a data escolhida para a ação é 1 de fevereiro, porém, no Brasil, Larissa optou pelo dia 18 de maio em razão do clima. "O Brasil é um país com altas temperaturas e usar o véu em dias muito quentes é mais difícil, por isso optei por esperar o outono," explica. Cerca de 15 jovens, incluindo eu, participaram da ação e passaram 24 horas com o véu.

No dia 18, Larissa contou seus motivos por optar pelo hijab, explicou que o véu não está presente apenas entre as muçulmanas, mas várias culturas e religiões - a católica, por exemplo - também utilizam o acessório. Larissa relatou sobre os encontros que teve com muçulmanas que residem em Sorocaba. "Várias delas contaram que mal saem de casa por causa do preconceito e da associação a grupos extremistas como o Estado Islâmico". Ao fim do primeiro encontro, que durou cerca de 40 minutos, a estudante ensinou como usar o hijab e caso você também queira saber como é usar esse véu por um dia, aqui vai um tutorial de como vesti-lo:



A experiência da jornalista

Ao colocar os pés fora da sala onde foi realizada a reunião sobre o uso do hijab, ou véu, senti vários olhares na minha direção, alguns curiosos, outros debochados, alguns me fuzilando. Cochichos, risadas e piadas escancaradas. Ao chegar na redação do jornal Cruzeiro do Sul, os colegas de trabalho demonstraram curiosidade e em casa, confesso, o que reinou foi a estranheza. No dia 19 a segunda reunião aconteceu e cada uma pode compartilhar as dores e as delícias de ser uma mulher velada por um dia. Neste dia, uma surpresa: apenas seis moças voltaram para relatar as últimas 24 horas.

"Eu não estou acostumada a chamar atenção e usando o hijab eu fui notada", conta Karla Cristina Gobbo, 21. A estudante afirma que não se incomodou com o novo acessório e que pretende usá-lo mais vezes. Diferente de Karla, Bruna Nascimento, 22, relatou que se sentiu muito incomodada. "Percebi que todos estavam me julgando e o pior é que esses julgamentos vinham justamente de pessoas que me conhecem." Em vez de perguntarem do que se tratava o véu, apenas se afastavam. "Quem me conhece sabe que não é por causa da minha religião, mas mesmo assim preferiram me julgar." Quando era encarada pelas pessoas, ela confessa que sentiu também um certo medo, até de ser agredida. "A sensação é que a qualquer momento alguém iria me abordar de forma violenta. Me senti coagida e fiquei muito irritada com isso", desabafou.

Waleska Caroline Toledo, 21, e Laura Carolini Soares, 20, contaram que o uso do véu foi uma verdadeira mistura de liberdade e opressão. "Foi libertador não ouvir nenhuma buzinada ao atravessar as ruas aqui do campus, mas várias vezes tive a sensação de que seria atropelada apenas por usar o véu", relembra Waleska. Já Laura afirma que, assim como eu, ao deixar a sala do encontro já sentiu olhares que a segregavam. "Eu, honestamente, não via a hora de tirar o véu", confessou.

"Meus alunos, de imediato, acharam engraçado quando me viram usando o véu", afirma Lara Pantaleo, 24, que é professora de um cursinho pré-vestibular no campus. No ambiente acadêmico não sentiu muita pressão e algumas de suas alunas já planejam passar um dia com o hijab. "O meu problema mesmo foi durante a manhã, para conseguir sair de casa." Ela relembra que viveu "um dilema", sem saber se teria coragem ou não para cumprir a proposta. "Fiquei um bom tempo pensando se sim ou não, até que decidi enfrentar os olhares, mas coloquei o véu e também um óculos de sol, pois assim poderia ver melhor quem estava me encarando sem que a pessoa percebesse que eu estava olhando para ela", explica.

Assim como a maioria, Lara não gostou de ser o centro das atenções. "Me senti muito incomodada e até mesmo oprimida", mas ela destaca que mesmo sendo muito observada pelos outros, dessa vez os olhares não era com apelo sexual. "Estavam me olhando, mas estavam me olhando por causa do véu e não por causa do meu corpo."

Julgamento pela aparência existe de qualquer maneira. Essa foi a conclusão das participantes da experiência

Essa foi a conclusão praticamente unânime após as 24h sobre o Hijab e seja lá qual roupa usada por uma mulher - um vestido curto, roupas largas, o Hijab - ela é julgada. "Ou vão julgá-la como vulgar, relaxada, ou então, a apontarão como uma mulher submissa", afirma Larissa e em forma de desabafo ela afirma: "Ao vestir o véu, eu visto também a coragem."

"É um pedaço de pano que eu decidi usar, da mesma forma que posso querer usar uma roupa curta e justa, ou querer raspar o meu cabelo... enfim, é tudo uma opção minha, que só diz respeito a mim", afirma Walesca. Bruna lembra que diariamente já é julgada por sua aparência, pois ela mesmo se classifica como diferente. "Sempre uso esse coturno, roupas escuras, decote e por conta disso tem gente que acha que eu não sou capaz se realizar boas pesquisas aqui dentro da própria universidade."

Em favor do feminismo

Larissa enxerga no Hijab uma forma de feminismo, pois diz que foi a maneira que encontrou de deixar claro que a mulher não é um objeto sexual. "Nenhuma mulher deve ser vista desse modo, mas eu estava cansada de ser hostilizada e por isso resolvi me cobrir." Ela também destaca que o assédio sobre as mulheres não está ligado à vestimenta, mas sim ao comportamento da sociedade. "Se uma mulher é agredida pouco importa a roupa que ela estava usando, o culpado é o agressor e ponto."

O que a estudante busca deixar claro é que o importante é o respeito as opções que cada mulher faz para sua vida e isso inclui as muçulmanas, que são vítimas constantes de discriminação. "Já ouvi relatos de que a própria religião não aceita o feminismo e também que alguns movimentos feministas não aceitam muçulmanas e então essas mulheres ficam a mercê da sociedade."

Por último, as jovens lembram que a obrigatoriedade ou a proibição do uso do Hijab caracteriza opressão. A França é um exemplo de como véu tem levando mulheres a sofrerem maus-tratos e violação dos seus direitos, pois em 2004 o país proibiu o uso do lenço nas escolas, privando alunas muçulmanas do seu direito de expressar e praticar suas crenças religiosas. Já no Irã e na Arábia Saudita, desde a Revolução Islâmica, há 35 anos, as mulheres são proibidas por lei de deixar suas casas sem o véu. As punições variam de multa a prisão. (Supervisão: Helena Gozzano)

Gênero:

Matéria

Classificação:

UFSCar

Sub-classificações:

Citações Alunos ou Ex-alunos UFSCar - campus Sorocaba

Autor:

larissa.pessoa

Coautor:

Helena Gozzano

Pessoa citada/ entrevistada:

Larissa Sato

Palavras-chave:

véu;hijab;assédio;mulheres;veladas;feminismo;opressão

URL:

http://www.jornalcruzeiro.com.br/materia/614096/jovem-adepta-do-veu-propos-o-uso-do-hijab-por-24h

Jovem adepta do véu, propôs o uso do hijab por 24h

Cruzeiro do Sul Sorocaba-SP em 2015-06-05 00:00:00.0

Texto na íntegra:	Cansada de se sentir exposta, "olhada como um objeto", de ser assediada, a jovem Larissa Sato, 18, decidiu, há pouco mais de um ano, tornar-se uma Hijab. Hijab é a vestimenta típica das muçulmanas, mas a estudante deixa claro que não se tornou uma muçulmana, e sim uma "mulher velada". O Hijab é composto por uma túnica na altura dos joelhos, usada sobre calças e acompanhada de um véu que cobre os cabelos e o pescoço. "Popularmente as pessoas acabam chamando apenas o véu de hijab e a mulher que o usa também é uma irmã hijab", explica Larissa. Andando pelo campus da UFSCar Sorocaba, onde cursa o 3º semestre de Economia, sempre coberta, Larissa começou a chamar atenção e despertar a curiosidade os colegas. "Eu sempre achei o véu muito bonito e sempre me indignei com o assédio que as mulheres sofrem, então procurei por muçulmanas e perguntei se seria ofensivo que eu usasse o hijab e elas me explicaram que não, que qualquer mulher pode usar, independente da sua religião." A fim de propagar o costume hijab, ela decidiu criar um evento dentro da Universidade aberto para alunos e não alunos, chamado "Véu: liberdade ou opressão". World Hijab Day O World Hijab Day (Dia Mundial do Hijab) teve início em 2013 com iniciativa da jovem Nazma Khan, que se mudou, aos onze anos de idade, de Bangladesh para os Estados Unidos. A ideia surgiu após a jovem sofrer preconceito por ser a única a usar hijab no ensino médio e ser chamada de terrorista na universidade, principalmente após o atentado de 11 de setembro de 2001. Assim como Nazma, Larissa, após tornar-se adepta do véu, passou a ser motivo de chacotas e por isso ciou o evento, com o objetivo de promover a tolerância religiosa e a compreensão, convidando as mulheres - independente de serem muçulmanas ou não - para experimentar o hijab por um dia. "Desde que passei por esta mudança, muitas pessoas se afastaram e eu sofro preconceito constantemente." Atualmente o World Hijab Day acontece em 116 países, entre eles Estados Unidos, Austrália e México. Em todo o mundo, a data escolhida para a ação é 1 de fevereiro, porém, no Brasil, Larissa optou pelo dia 18 de maio em razão do clima. "O Brasil é um país com altas temperaturas e usar o véu em dias muito quentes é mais difícil, por isso optei por esperar o outono," explica. Cerca de 15 jovens, incluindo eu, participaram da ação e passaram 24 horas com o véu. No dia 18, Larissa contou seus motivos por optar pelo hijab, explicou que o véu não está presente apenas entre as muçulmanas, mas várias culturas e religiões - a católica, por exemplo - também utilizam o acessório. Larissa relatou sobre os encontros que teve com muçulmanas que residem em Sorocaba. "Várias delas contaram que mal saem de casa por causa do preconceito e da associação a grupos extremistas como o Estado Islâmico". Ao fim do primeiro encontro, que durou cerca de 40 minutos, a estudante ensinou como usar o hijab e caso você também queira saber como é usar esse véu por um dia, aqui vai um tutorial de como vesti-lo: A experiência da jornalista Ao colocar os pés fora da sala onde foi realizada a reunião sobre o uso do hijab, ou véu, senti vários olhares na minha direção, alguns curiosos, outros debochados, alguns me fuzilando. Cochichos, risadas e piadas escancaradas. Ao chegar na redação do jornal Cruzeiro do Sul, os colegas de trabalho demonstraram curiosidade e em casa, confesso, o que reinou foi a estranheza. No dia 19 a segunda reunião aconteceu e cada uma pode compartilhar as dores e as delícias de ser uma mulher velada por um dia. Neste dia, uma surpresa: apenas seis moças voltaram para relatar as últimas 24 horas. "Eu não estou acostumada a chamar atenção e usando o hijab eu fui notada", conta Karla Cristina Gobbo, 21. A estudante afirma que não se incomodou com o novo acessório e que pretende usá-lo mais vezes. Diferente de Karla, Bruna Nascimento, 22, relatou que se sentiu muito incomodada. "Percebi que todos estavam me julgando e o pior é que esses julgamentos vinham justamente de pessoas que me conhecem." Em vez de perguntarem do que se tratava o véu, apenas se afastavam. "Quem me conhece sabe que não é por causa da minha religião, mas mesmo assim preferiram me julgar." Quando era encarada pelas pessoas, ela confessa que sentiu também um certo medo, até de ser agredida. "A sensação é que a qualquer momento alguém iria me abordar de forma violenta. Me senti coagida e fiquei muito irritada com isso", desabafou. Waleska Caroline Toledo, 21, e Laura Carolini Soares, 20, contaram que o uso do véu foi uma verdadeira mistura de liberdade e opressão. "Foi libertador não ouvir nenhuma buzinada ao atravessar as ruas aqui do campus, mas várias vezes tive a sensação de que seria atropelada apenas por usar o véu", relembra Waleska. Já Laura afirma que, assim como eu, ao deixar a sala do encontro já sentiu olhares que a segregavam. "Eu, honestamente, não via a hora de tirar o véu", confessou. "Meus alunos, de imediato, acharam engraçado quando me viram usando o véu", afirma Lara Pantaleo, 24, que é professora de um cursinho pré-vestibular no campus. No ambiente acadêmico não sentiu muita pressão e algumas de suas alunas já planejam passar um dia com o hijab. "O meu problema mesmo foi durante a manhã, para conseguir sair de casa." Ela relembra que viveu "um dilema", sem saber se teria coragem ou não para cumprir a proposta. "Fiquei um bom tempo pensando se sim ou não, até que decidi enfrentar os olhares, mas coloquei o véu e também um óculos de sol, pois assim poderia ver melhor quem estava me encarando sem que a pessoa percebesse que eu estava olhando para ela", explica. Assim como a maioria, Lara não gostou de ser o centro das atenções. "Me senti muito incomodada e até mesmo oprimida", mas ela destaca que mesmo sendo muito observada pelos outros, dessa vez os olhares não era com apelo sexual. "Estavam me olhando, mas estavam me olhando por causa do véu e não por causa do meu corpo." Julgamento pela aparência existe de qualquer maneira. Essa foi a conclusão das participantes da experiência Essa foi a conclusão praticamente unânime após as 24h sobre o Hijab e seja lá qual roupa usada por uma mulher - um vestido curto, roupas largas, o Hijab - ela é julgada. "Ou vão julgá-la como vulgar, relaxada, ou então, a apontarão como uma mulher submissa", afirma Larissa e em forma de desabafo ela afirma: "Ao vestir o véu, eu visto também a coragem." "É um pedaço de pano que eu decidi usar, da mesma forma que posso querer usar uma roupa curta e justa, ou querer raspar o meu cabelo... enfim, é tudo uma opção minha, que só diz respeito a mim", afirma Walesca. Bruna lembra que diariamente já é julgada por sua aparência, pois ela mesmo se classifica como diferente. "Sempre uso esse coturno, roupas escuras, decote e por conta disso tem gente que acha que eu não sou capaz se realizar boas pesquisas aqui dentro da própria universidade." Em favor do feminismo Larissa enxerga no Hijab uma forma de feminismo, pois diz que foi a maneira que encontrou de deixar claro que a mulher não é um objeto sexual. "Nenhuma mulher deve ser vista desse modo, mas eu estava cansada de ser hostilizada e por isso resolvi me cobrir." Ela também destaca que o assédio sobre as mulheres não está ligado à vestimenta, mas sim ao comportamento da sociedade. "Se uma mulher é agredida pouco importa a roupa que ela estava usando, o culpado é o agressor e ponto." O que a estudante busca deixar claro é que o importante é o respeito as opções que cada mulher faz para sua vida e isso inclui as muçulmanas, que são vítimas constantes de discriminação. "Já ouvi relatos de que a própria religião não aceita o feminismo e também que alguns movimentos feministas não aceitam muçulmanas e então essas mulheres ficam a mercê da sociedade." Por último, as jovens lembram que a obrigatoriedade ou a proibição do uso do Hijab caracteriza opressão. A França é um exemplo de como véu tem levando mulheres a sofrerem maus-tratos e violação dos seus direitos, pois em 2004 o país proibiu o uso do lenço nas escolas, privando alunas muçulmanas do seu direito de expressar e praticar suas crenças religiosas. Já no Irã e na Arábia Saudita, desde a Revolução Islâmica, há 35 anos, as mulheres são proibidas por lei de deixar suas casas sem o véu. As punições variam de multa a prisão. (Supervisão: Helena Gozzano)
Gênero:	Matéria
Classificação:	UFSCar
Sub-classificações:	Citações Alunos ou Ex-alunos UFSCar - campus Sorocaba
Autor:	larissa.pessoa
Coautor:	Helena Gozzano
Pessoa citada/ entrevistada:	Larissa Sato
Palavras-chave:	véu;hijab;assédio;mulheres;veladas;feminismo;opressão
URL:	http://www.jornalcruzeiro.com.br/materia/614096/jovem-adepta-do-veu-propos-o-uso-do-hijab-por-24h