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Caderno:
Caderno 3
Texto na íntegra:
Autor da "Canção do exílio", poema que povoou o imaginário de leitores de várias gerações, em especial crianças, que se encantavam com o orgulho do poeta maranhense Antônio Gonçalves Dias (1823-1864) ao descrever com saudade e ufanismo as belezas de uma terra povoada por sabiás, índios e ornamentada por palmeiras, tem sua obra revisitada. Trata-se do livro "O poeta do lá" (EdUFSCar, 152 páginas), escrito por Wilton José Marques, professor de Literatura Brasileira e Teoria Literária do Departamento de Letras do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp - Araraquara).O lançamento acontece no ano em que o Brasil celebra os 150 anos de sua morte, em 3 de novembro de 1864, no Maranhão, há exatos 150 anos.

Dividido em duas partes, o livro aponta algumas peculiaridades na obra de um dos mais significativos representantes da primeira geração do romantismo brasileiro, provando que não se resume apenas à questão indianista.
 Crítica social

Wilton revela que a contribuição de Gonçalves Dias não serviu apenas para consolidar o movimento romântico no Brasil, mas a literatura nacional, identificando na narrativa poética do maranhense a interface com a desigualdade social, realidade que aflige o povo brasileiro até os dias de hoje. Na publicação, o crítico passa em revista quatro poemas do poeta, advogado, jornalista, etnógrafo e teatrólogo, nascido em Caxias, Maranhão, em 10 de agosto de 1823. Ao destacar o aspecto original de sua obra, Marques revisita os poemas "O canto do guerreiro", "O canto do Piaga", "O vate" e "Canção do exílio".

No último, escrito em 1843, quando estudava em Coimbra, considerado um dos seus poemas mais conhecidos, são analisadas a forma, a natureza tropical, a leitura e a epigrafia, em que cita o alemão Goethe (1749-1832). Os versos "Minha terra tem palmeiras/onde canta o sabiá" traduzem bem o espírito romântico.

O movimento começou na Europa, no final do século XVIII, prosseguindo até o fim do XIX, quando após espalhar-se pela América, chega ao Brasil. Sua ideologia contribui para a construção de identidade de nação, na época em que o País tentava se livrar das amarras coloniais, após a proclamação da independência.
 Os ideais românticos, que mesclavam elementos nacionalistas aos amores impossíveis, são expressos em outras linguagens como a pintura, a música e o teatro. Wilton Marques considera importante a interligação temporal dos movimentos artísticos, ou seja, trazer à contemporaneidade a poesia romântica de Gonçalves Dias.

"Um povo nunca será nada no presente ou no futuro se não souber sobre o seu próprio passado, seja sobre sua história, seja sobre sua literatura", instiga.

Assim, estudar autores e obras que contribuíram para a formação cultural do Brasil é um modo de conhecer o próprio País e seus valores, sendo essa uma das funções da literatura. Desse modo, os bons escritores sempre tem algo a ensinar, como é o caso de Gonçalves Dias, cujo livro procura mostrar alguns aspectos de sua obra poética.

Não se trata apenas de um texto romântico datado, reconhecendo o caráter de transcendência da obra, perpassando o tempo histórico.

Dessa maneira, "está entranhado na cultura brasileira, seja através das diversas releituras, seja através da incorporação de alguns versos na letra do Hino Nacional, seja através da própria memória popular". De acordo com Marques, a primeira parte de seu livro, "A metáfora, os índios e a teoria romântica", apresenta a leitura dos quatro já citados poemas importantes de Gonçalves Dias. É quando procura discutir alguns aspectos da literatura "gonçalvina", isto é, a metáfora da natureza como marca de nacionalidade, ou a importância do indianismo romântico ou ainda uma discussão teórica sobre o Romantismo.

Na segunda parte, no tópico "Alguns diálogos", o autor mostra as relações literárias entre a obra de Gonçalves Dias e a de escritores como Alexandre Herculano, Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade.
 O crítico reconhece a grandiosidade do poeta. "De modo geral sua obra é lida de maneira muito restrita, apenas em chave do nacionalismo e/ou indianismo, o que é muito pouco, afinal ele é um poeta comprometido não apenas com a expressão poética do lirismo romântico, mas também preocupado com as mazelas sociais da sociedade brasileira".

Em outro livro, "Gonçalves Dias: o poeta na contramão" (EDUFSCar,2010), o pesquisador revela o pioneirismo de Gonçalves ao falar sobre o tema da escravidão. "Foi o primeiro autor canônico do nosso Romantismo a discutir literariamente o problema da escravidão no Brasil".

No texto "Meditação", publicado em 1850, o poeta explicita uma crítica ácida à sociedade brasileira. Por outro lado, é evidente que o indianismo é um tema muito importante na sua obra, mas também é relevante dizer que o poeta não fez apenas poesia indianista, aliás, em toda sua obra, consta apenas 14 poemas que abordam o tema.

Índios diferentes

Segundo Marques, o indianismo gonçalvino é diferente do expresso nas criações do escritor cearense José de Alencar (1829-1877), um dos pioneiros do movimento romântico brasileiro.

"Num ensaio famoso (Dialética da Colonização), o crítico Alfredo Bosi demonstrou que o indianismo de Alencar se constrói em franca apologia ao colonizador português".

No caso de Gonçalves Dias, o seu indianismo também fez parte do todo ideológico que movia o Romantismo brasileiro, mas não era motivado apenas pela necessidade de uma literatura nacional, passando também pela preocupação etnográfica com os destinos da população indígena.
 Isto é, a representação literária do índio gonçalvino é, na verdade, resultante de um amalgamento estético de dois tipos de índios: um de natureza simbólica, construído na esteira da tradição exótica da literatura europeia, e outro real, fruto das pesquisas de campo realizadas pelo poeta, esclarece.

Memória coletiva

Sobre a data de hoje, quando são lembrados os 150 anos da morte de Gonçalves Dias, o autor ressalta que "a memória coletiva somente tem sentido se for constantemente rememorada". Em outras palavras, pouco ajudam as comemorações ou lembranças esporádicas. "Mas, de certo modo, esse relembrar constitui também uma das funções do crítico literário", pondera. É possível dizer que o livro tem, de fato, esse intuito, completa.

Olhar o passado literário não significa tentar reproduzi-lo de maneira acrítica, mas, ao contrário, significa perceber como o passado pode ser entendido através de perspectivas diferentes, e a literatura, pela pluralidade de significados inerente ao próprio texto, é sempre uma porta possível.

A obra de Gonçalves Dias deve ser observada para além de possíveis leituras redutoras, reconhecendo sua "qualidade robusta".

Wilton Marques argumenta que um grande texto nunca se esgota na primeira leitura, sempre existe alguma coisa nova a ser percebida ou algum segredo a ser decifrado.
 Livro

O poeta do lá
Wilton José Marques
Edufscar
2014, 152 páginas
R$ 32

Iracema Sales
Repórter
Gênero:
Matéria
Classificação:
UFSCar
Sub-classificações:
Citações Docentes ou Ex-docentes UFSCar - campus São Carlos
Palavras-chave:
UFSCar; Poeta; Gonçalves Dias; Unesp;
URL:
http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/caderno-3/goncalves-dias-150-anos-para-alem-de-palmeiras-e-sabias-1.1140155
Gonçalves Dias 150 anos: para além de palmeiras e sabiás

Em "O poeta do lá", o crítico literário Wilton José Marques estuda quatro poemas do autor da "Canção do exílio"

Diário do Nordeste Fortaleza-CE em 2014-11-03 00:00:00.0
