Clipping

Percorrido a pé, de carroça, a cavalo ou carro de boi pelos escravos, pelos alforriados e, mais tarde, os libertos pela Lei Áurea, o percurso feito pelos negros em Sorocaba e região, principalmente pelos parentes de José Joaquim de Camargo, está sendo traçado pela família como forma de resgatar a história de seu povo e também delimitar seu território. A ideia é que o Caminho dos Negros, futuramente, transforme-se em um roteiro turístico-cultural, para perpetuar esse registro. 

O Caminho dos Negros parte de Sorocaba, passa por Araçoiaba da Serra, segue até Sarapuí, passa por Salto de Pirapora, Piedade e termina em Votorantim, na divisa com Sorocaba. E poderá contar com o apoio da Fundação Cultural Palmares. "Soube que a comunidade está desenvolvendo esse projeto. É algo que está em formulação, mas assim que eu receber a proposta pretendo encaminhar para Brasília, onde é a sede da Fundação, para que lá tenham conhecimento e analisem a possibilidade de parceria. Pode ser oferecido apoio inclusive de recursos", disse o chefe da representação regional da Fundação Cultural Palmares de São Paulo, Michel Yakini. 

Yakini informou que já está marcada uma reunião com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para abril, para tratar das questões do quilombo Os Camargo, como são conhecidos os descendentes de José Joaquim de Camargo. "Iremos ajudar nesse diálogo. A única pendência é a titulação junto ao Incra, se for possível em breve a gente terá boas notícias". 

Conforme registrou a reportagem publicada no domingo passado, dia 16 de março, pelo Cruzeiro do Sul, a comunidade remanescente de quilombo Os Camargo aguarda há 14 anos por uma documentação que permitirá aos descendentes do ex-escravo serem incluídos nas políticas públicas nacionais. Trata-se do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), emitido pelo Incra, e que garante à família os seus direitos. Para ter em mãos esse documento, Os Camargo já passaram por uma série de etapas e agora estão na dependência de que o órgão realize a delimitação de seu território. 

Histórias sobre terras, esconderijo e padres 

Desde menino ele ouvia seu avô falar sobre terras e esconderijo de escritura, quase como se fosse uma lenda. Pelo menos para ele era assim pois duvidava de seu avô e desconfiava inclusive que ele estivesse caducando. Afinal, como é que um negro que tinha sido escravo poderia ser dono de terras? E se eles eram donos de terras, como é que estavam pobres? Esse assunto ficou na cabeça de Edson Correa durante anos, até que um dia resolveu comentar com uma estudante de Direito sobre esses relatos de seu avô. O fato que não se encaixava na cabeça de Edson era essa tal escritura estar no "cartório dos padres", como falava seu avô. A estudante logo concluiu que tratava-se da Cúria Diocesana. E lá estava o documento: uma escritura datada de 2 de novembro de 1874 comprovando que José Joaquim de Camargo (tataravô de Edson) havia comprado terras do capitão Jesuíno de Cerqueira Cezar ao preço de 400 mil réis. A escritura descreve a área adquirida, porém o faz por córregos e cachoeiras. 

Como ele teria comprado? Edson explica que seu tataravô era um escravo alforriado, por isso recebia um pagamento por seus serviços. Esse dinheiro ele guardou e comprou as terras, que naquela época não eram muito caras. "Acontece que a família foi orientada a guardar o documento porque correria o risco de perder a posse das terras. Imagina se não iriam tirar das mãos dos negros, como realmente aconteceu. Então esse documento foi mantido em local seguro, pois um dia iria ficar para os descendentes", explica Edson, que começou a entender melhor sua própria história quando encontrou o documento e teve contato com outros parentes, histórias que foram juntadas e por fim completaram o quebra-cabeças. 

Mesmo de posse da escritura, a luta continua. "Chegaram a me oferecer R$ 200 milhões pra vender a escritura", conta Edson, que não aceitou e se uniu aos primos João Fernandes e Luiz Carlos Batista de Camargo, entre outros parentes, para reivindicar a posse das terras, um total de 84 mil alqueires de extensão. 

A última matéria da série sobre o Quilombo Os Camargo será publicada na edição do próximo domingo, dia 30.

A trajetória passada de pais para filhos

Os descendentes de José Joaquim de Camargo descrevem em detalhes cada pedacinho de terra que lhes pertence, e também os rios, córregos, riachos e cachoeiras que estão em suas propriedades. É dessa forma, baseados nesses pontos de referência, que sabem medir: seguindo a partir de determinado rio até chegar a algum outro ponto, limítrofe com terras de outra família. Os negros andavam muito por essas terras, abriam caminhos por meio da mata, por isso a facilidade em reconhecer territórios. Informações essas que sempre foram passadas de pai para filho. Acompanhe a trajetória do Caminho dos Negros:
 
 
SOROCABA - Entre os locais que os negros deixaram sua marca, aqui na cidade, em primeiro lugar está a Capela do Itinga (bairro situado na divisa com Salto de Pirapora), que começou a ser construída por José Joaquim de Camargo assim que comprou as terras. O sino da capela data de 1876, conforme dizem os descendentes do escravo alforriado. A capela pode ser considerada um símbolo da posse de terra da família Camargo, já que os descendentes dizem ter sido a primeira iniciativa do novo proprietário. A partir daí tem início a história das terras, que acabou perdendo-se no tempo devido às expropriações e inúmeras invasões sofridas ao longo dos anos.
 
O nome da capela também foi alterado e o local é conhecido hoje como Santuário Nossa Senhora dos Remédios. Ali os negros se encontravam para cultuar suas tradições como os lamentos africanos, os cantos e danças. Realizavam a prática de benzimentos, curandeirismos e trocas de ervas medicinais, lembra Edson Correa.
 
Atrás da capela, os negros conseguiam plantar arroz. Ali a irrigação era feita através do rio Ipanema, com taquaras de bambu.
 
Aqui na cidade, a área pertencente ao quilombo Os Camargo parte do córrego Lavapés (que corta a avenida São Paulo) e prossegue até o Centro, seguindo pela Barão de Tatuí. Nessa avenida, passa pela Igreja de João de Camargo e segue até o Campolim. Segundo a família, também fazem parte de seu território a área onde hoje estão instaladas a UFSCar, a Universidade do Cavalo e a Fundação Parque Zoológico de São Paulo (na divisa entre Araçoiaba e Salto de Pirapora). Do outro lado da cidade, a família diz que é proprietária também da região onde está situada a Capela do Inhayba.
 
ARAÇOIABA DA SERRA - Deste município, a família é proprietária de terras que não pertencem à zona urbana. "Mas uma parte passa por dentro da Fazenda Ipanema", afirma João Fernandes, primo de Edson e de Luiz, e tataraneto de José Joaquim de Camargo. "A parte onde ficava situada a usina está dentro da nossa área. Meu tio Pedro de Camargo contava essa história. Meu tio João e minha avó também. Eles sabiam exatamente onde eram os limites", diz.
 
SARAPUÍ - A propriedade dos Camargo faz divisa, em Sarapuí, com o bairro Cocais. "É tudo mato ali, as nossas terras também não pegam a parte urbana da cidade", conta João Fernandes.
 
SALTO DE PIRAPORA - O rio Pirapora é uma boa referência em Salto de Pirapora quando o assunto é delimitar as terras dos Camargo. "O rio passa dentro do nosso terreno", afirma Luiz. São 8 quilômetros de extensão em direção a Pilar do Sul, e 40 quilômetros em direção a Votorantim, até a represa de Itupararanga. "Do córrego do Paruru da Light (Itupararanga) vindo para Salto de Pirapora é tudo dos Camargo", mapeia Luiz. São mais 30 quilômetros em direção ao local onde está instalada a Fundação Zoológico de São Paulo (local que faz divisa com Araçoiaba da Serra e que os três primos afirmam pertencer à família) e outros 12 quilômetros em direção a Piedade, sempre partindo da ponte do rio Pirapora. Neste município, sete pedreiras ocupam o território que a família reivindica: "uma da Cosipa, quatro da Votoran, uma da Minercal e outra dos Matarazzo", elenca Luiz.
 
Edson lembra ter ouvido que "o capitão Jesuíno de Cerqueira César, de quem meu tataravô comprou as terras, morava na área onde está situada a Fundação Parque Zoológico de São Paulo. Ele ficou doente e morreu naquele local. Ali tinha inclusive uma senzala", diz.
 
O bairro Capão Redondo também pertence à família. Fica em um vale e era muito usado por aqueles que fugiam e queriam se esconder. No local, onde até hoje - apesar das explorações de terra e caulim - resiste um jatobá. O caulim é usado na fabricação de cerâmicas, porcelanas, materiais de higiene, entre outros produtos.
 
PIEDADE - Nesta cidade, João conta que o território da família faz divisa com o bairro dos Leite, o Piraporão e a cachoeira da Macumba. "Tem fazenda ali nas nossas terras, mas não pega dentro da cidade, também", diz João.
 
VOTORANTIM - João afirma com toda a certeza que aproximadamente 70% de Votorantim pertence aos Camargo. São territórios da família o bairro Votocel, a área onde está situada a represa Itupararanga e a pedreira Santa Helena. "Temos documentos que comprovam que nossa gente vivia ali na área. Temos uma certidão de óbito de 1920, de Maximiliano de Camargo, que morava lá bem antes de começar a pedreira. A pedreira foi construída na década de 1930, depois que os moradores dos quilombos foram expulsos da área", diz. Os locais onde estão situados o shopping Iguatemi, a Praça de Eventos de Votorantim e a Capela da Penha também são da família. "Nosso tataravô que ajudou a construir a capela", afirma João. Ele ainda lembra que até hoje a estrada do quilombo é conhecida como Estrada do Quiló. "Os negros usavam para ir para a igreja de João de Camargo", conta João. Ele ainda faz questão de ressaltar que nas terras da família tem muitas cachoeiras.

Morando de favor na própria casa

A dona de casa Neri Leme de Almeida, moradora de Salto de Pirapora, é bisneta de José Joaquim de Camargo. Ela sempre soube que sua família teve posse de terras no passado, mas ninguém conseguia explicar o que teria sido feito dessas áreas. Nascida em 3 de setembro de 1949 e batizada de Neri Leme de Camargo (ela conta que tirou o Camargo para incluir o Almeida após o casamento), Neri lembra que quando era pequena costumava brincar na senzala que havia onde morava. A família sabia que aquele local tinha sido no passado "a casa do sinhô" e que ele tinha escravos, o que não sabiam é que eles mesmos eram descendentes desses escravos e que um deles, alforriado, havia comprado todo aquele território.
 
Hoje com 65 anos, Neri também luta por seus direitos e faz parte da Associação Remanescentes de Quilombo José Joaquim de Camargo - Núcleo Salto de Pirapora. "Meu pai trabalhava nas terras do Antonio Ermírio de Moraes, que cedia aquela casa pra gente morar, só depois que vimos os documentos que ficamos sabendo da verdade", relata.

Maldição de João Camargo
 
Conforme Luiz Carlos Batista de Camargo, bisneto de José Joaquim de Camargo, o místico João de Camargo Barros teria parentesco com sua família. "Ele era primo do meu pai", afirma Luiz. "O João de Camargo foi ludibriado. Deram só aquela igrejinha pra ele, ali é tudo dele, até o Campolim", diz.
 
Edson Correa, primo de Luiz e tataraneto de José Joaquim de Camargo, lembra de ter ouvido uma história em que João de Camargo teria amaldiçoado os invasores das terras pertencentes aos negros. Enquanto essas terras não fossem devolvidas a seus verdadeiros donos, todas as famílias invasoras teriam uma morte trágica entre seus descendentes. Ele não sabe se é verdade, o que sabe é que duas famílias poderosas já sofreram a morte de seus filhos, por acidente aéreo e suicídio.

Números de colunas:	12 Altura da coluna: 20,0 cm
Páginas:	1
Caderno:	Cidades
Texto na íntegra:	Percorrido a pé, de carroça, a cavalo ou carro de boi pelos escravos, pelos alforriados e, mais tarde, os libertos pela Lei Áurea, o percurso feito pelos negros em Sorocaba e região, principalmente pelos parentes de José Joaquim de Camargo, está sendo traçado pela família como forma de resgatar a história de seu povo e também delimitar seu território. A ideia é que o Caminho dos Negros, futuramente, transforme-se em um roteiro turístico-cultural, para perpetuar esse registro. O Caminho dos Negros parte de Sorocaba, passa por Araçoiaba da Serra, segue até Sarapuí, passa por Salto de Pirapora, Piedade e termina em Votorantim, na divisa com Sorocaba. E poderá contar com o apoio da Fundação Cultural Palmares. "Soube que a comunidade está desenvolvendo esse projeto. É algo que está em formulação, mas assim que eu receber a proposta pretendo encaminhar para Brasília, onde é a sede da Fundação, para que lá tenham conhecimento e analisem a possibilidade de parceria. Pode ser oferecido apoio inclusive de recursos", disse o chefe da representação regional da Fundação Cultural Palmares de São Paulo, Michel Yakini. Yakini informou que já está marcada uma reunião com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para abril, para tratar das questões do quilombo Os Camargo, como são conhecidos os descendentes de José Joaquim de Camargo. "Iremos ajudar nesse diálogo. A única pendência é a titulação junto ao Incra, se for possível em breve a gente terá boas notícias". Conforme registrou a reportagem publicada no domingo passado, dia 16 de março, pelo Cruzeiro do Sul, a comunidade remanescente de quilombo Os Camargo aguarda há 14 anos por uma documentação que permitirá aos descendentes do ex-escravo serem incluídos nas políticas públicas nacionais. Trata-se do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), emitido pelo Incra, e que garante à família os seus direitos. Para ter em mãos esse documento, Os Camargo já passaram por uma série de etapas e agora estão na dependência de que o órgão realize a delimitação de seu território. Histórias sobre terras, esconderijo e padres Desde menino ele ouvia seu avô falar sobre terras e esconderijo de escritura, quase como se fosse uma lenda. Pelo menos para ele era assim pois duvidava de seu avô e desconfiava inclusive que ele estivesse caducando. Afinal, como é que um negro que tinha sido escravo poderia ser dono de terras? E se eles eram donos de terras, como é que estavam pobres? Esse assunto ficou na cabeça de Edson Correa durante anos, até que um dia resolveu comentar com uma estudante de Direito sobre esses relatos de seu avô. O fato que não se encaixava na cabeça de Edson era essa tal escritura estar no "cartório dos padres", como falava seu avô. A estudante logo concluiu que tratava-se da Cúria Diocesana. E lá estava o documento: uma escritura datada de 2 de novembro de 1874 comprovando que José Joaquim de Camargo (tataravô de Edson) havia comprado terras do capitão Jesuíno de Cerqueira Cezar ao preço de 400 mil réis. A escritura descreve a área adquirida, porém o faz por córregos e cachoeiras. Como ele teria comprado? Edson explica que seu tataravô era um escravo alforriado, por isso recebia um pagamento por seus serviços. Esse dinheiro ele guardou e comprou as terras, que naquela época não eram muito caras. "Acontece que a família foi orientada a guardar o documento porque correria o risco de perder a posse das terras. Imagina se não iriam tirar das mãos dos negros, como realmente aconteceu. Então esse documento foi mantido em local seguro, pois um dia iria ficar para os descendentes", explica Edson, que começou a entender melhor sua própria história quando encontrou o documento e teve contato com outros parentes, histórias que foram juntadas e por fim completaram o quebra-cabeças. Mesmo de posse da escritura, a luta continua. "Chegaram a me oferecer R$ 200 milhões pra vender a escritura", conta Edson, que não aceitou e se uniu aos primos João Fernandes e Luiz Carlos Batista de Camargo, entre outros parentes, para reivindicar a posse das terras, um total de 84 mil alqueires de extensão. A última matéria da série sobre o Quilombo Os Camargo será publicada na edição do próximo domingo, dia 30. A trajetória passada de pais para filhos Os descendentes de José Joaquim de Camargo descrevem em detalhes cada pedacinho de terra que lhes pertence, e também os rios, córregos, riachos e cachoeiras que estão em suas propriedades. É dessa forma, baseados nesses pontos de referência, que sabem medir: seguindo a partir de determinado rio até chegar a algum outro ponto, limítrofe com terras de outra família. Os negros andavam muito por essas terras, abriam caminhos por meio da mata, por isso a facilidade em reconhecer territórios. Informações essas que sempre foram passadas de pai para filho. Acompanhe a trajetória do Caminho dos Negros: SOROCABA - Entre os locais que os negros deixaram sua marca, aqui na cidade, em primeiro lugar está a Capela do Itinga (bairro situado na divisa com Salto de Pirapora), que começou a ser construída por José Joaquim de Camargo assim que comprou as terras. O sino da capela data de 1876, conforme dizem os descendentes do escravo alforriado. A capela pode ser considerada um símbolo da posse de terra da família Camargo, já que os descendentes dizem ter sido a primeira iniciativa do novo proprietário. A partir daí tem início a história das terras, que acabou perdendo-se no tempo devido às expropriações e inúmeras invasões sofridas ao longo dos anos. O nome da capela também foi alterado e o local é conhecido hoje como Santuário Nossa Senhora dos Remédios. Ali os negros se encontravam para cultuar suas tradições como os lamentos africanos, os cantos e danças. Realizavam a prática de benzimentos, curandeirismos e trocas de ervas medicinais, lembra Edson Correa. Atrás da capela, os negros conseguiam plantar arroz. Ali a irrigação era feita através do rio Ipanema, com taquaras de bambu. Aqui na cidade, a área pertencente ao quilombo Os Camargo parte do córrego Lavapés (que corta a avenida São Paulo) e prossegue até o Centro, seguindo pela Barão de Tatuí. Nessa avenida, passa pela Igreja de João de Camargo e segue até o Campolim. Segundo a família, também fazem parte de seu território a área onde hoje estão instaladas a UFSCar, a Universidade do Cavalo e a Fundação Parque Zoológico de São Paulo (na divisa entre Araçoiaba e Salto de Pirapora). Do outro lado da cidade, a família diz que é proprietária também da região onde está situada a Capela do Inhayba. ARAÇOIABA DA SERRA - Deste município, a família é proprietária de terras que não pertencem à zona urbana. "Mas uma parte passa por dentro da Fazenda Ipanema", afirma João Fernandes, primo de Edson e de Luiz, e tataraneto de José Joaquim de Camargo. "A parte onde ficava situada a usina está dentro da nossa área. Meu tio Pedro de Camargo contava essa história. Meu tio João e minha avó também. Eles sabiam exatamente onde eram os limites", diz. SARAPUÍ - A propriedade dos Camargo faz divisa, em Sarapuí, com o bairro Cocais. "É tudo mato ali, as nossas terras também não pegam a parte urbana da cidade", conta João Fernandes. SALTO DE PIRAPORA - O rio Pirapora é uma boa referência em Salto de Pirapora quando o assunto é delimitar as terras dos Camargo. "O rio passa dentro do nosso terreno", afirma Luiz. São 8 quilômetros de extensão em direção a Pilar do Sul, e 40 quilômetros em direção a Votorantim, até a represa de Itupararanga. "Do córrego do Paruru da Light (Itupararanga) vindo para Salto de Pirapora é tudo dos Camargo", mapeia Luiz. São mais 30 quilômetros em direção ao local onde está instalada a Fundação Zoológico de São Paulo (local que faz divisa com Araçoiaba da Serra e que os três primos afirmam pertencer à família) e outros 12 quilômetros em direção a Piedade, sempre partindo da ponte do rio Pirapora. Neste município, sete pedreiras ocupam o território que a família reivindica: "uma da Cosipa, quatro da Votoran, uma da Minercal e outra dos Matarazzo", elenca Luiz. Edson lembra ter ouvido que "o capitão Jesuíno de Cerqueira César, de quem meu tataravô comprou as terras, morava na área onde está situada a Fundação Parque Zoológico de São Paulo. Ele ficou doente e morreu naquele local. Ali tinha inclusive uma senzala", diz. O bairro Capão Redondo também pertence à família. Fica em um vale e era muito usado por aqueles que fugiam e queriam se esconder. No local, onde até hoje - apesar das explorações de terra e caulim - resiste um jatobá. O caulim é usado na fabricação de cerâmicas, porcelanas, materiais de higiene, entre outros produtos. PIEDADE - Nesta cidade, João conta que o território da família faz divisa com o bairro dos Leite, o Piraporão e a cachoeira da Macumba. "Tem fazenda ali nas nossas terras, mas não pega dentro da cidade, também", diz João. VOTORANTIM - João afirma com toda a certeza que aproximadamente 70% de Votorantim pertence aos Camargo. São territórios da família o bairro Votocel, a área onde está situada a represa Itupararanga e a pedreira Santa Helena. "Temos documentos que comprovam que nossa gente vivia ali na área. Temos uma certidão de óbito de 1920, de Maximiliano de Camargo, que morava lá bem antes de começar a pedreira. A pedreira foi construída na década de 1930, depois que os moradores dos quilombos foram expulsos da área", diz. Os locais onde estão situados o shopping Iguatemi, a Praça de Eventos de Votorantim e a Capela da Penha também são da família. "Nosso tataravô que ajudou a construir a capela", afirma João. Ele ainda lembra que até hoje a estrada do quilombo é conhecida como Estrada do Quiló. "Os negros usavam para ir para a igreja de João de Camargo", conta João. Ele ainda faz questão de ressaltar que nas terras da família tem muitas cachoeiras. Morando de favor na própria casa A dona de casa Neri Leme de Almeida, moradora de Salto de Pirapora, é bisneta de José Joaquim de Camargo. Ela sempre soube que sua família teve posse de terras no passado, mas ninguém conseguia explicar o que teria sido feito dessas áreas. Nascida em 3 de setembro de 1949 e batizada de Neri Leme de Camargo (ela conta que tirou o Camargo para incluir o Almeida após o casamento), Neri lembra que quando era pequena costumava brincar na senzala que havia onde morava. A família sabia que aquele local tinha sido no passado "a casa do sinhô" e que ele tinha escravos, o que não sabiam é que eles mesmos eram descendentes desses escravos e que um deles, alforriado, havia comprado todo aquele território. Hoje com 65 anos, Neri também luta por seus direitos e faz parte da Associação Remanescentes de Quilombo José Joaquim de Camargo - Núcleo Salto de Pirapora. "Meu pai trabalhava nas terras do Antonio Ermírio de Moraes, que cedia aquela casa pra gente morar, só depois que vimos os documentos que ficamos sabendo da verdade", relata. Maldição de João Camargo Conforme Luiz Carlos Batista de Camargo, bisneto de José Joaquim de Camargo, o místico João de Camargo Barros teria parentesco com sua família. "Ele era primo do meu pai", afirma Luiz. "O João de Camargo foi ludibriado. Deram só aquela igrejinha pra ele, ali é tudo dele, até o Campolim", diz. Edson Correa, primo de Luiz e tataraneto de José Joaquim de Camargo, lembra de ter ouvido uma história em que João de Camargo teria amaldiçoado os invasores das terras pertencentes aos negros. Enquanto essas terras não fossem devolvidas a seus verdadeiros donos, todas as famílias invasoras teriam uma morte trágica entre seus descendentes. Ele não sabe se é verdade, o que sabe é que duas famílias poderosas já sofreram a morte de seus filhos, por acidente aéreo e suicídio.
Gênero:	Matéria
Classificação:	Geral
Sub-classificações:	Geral UFSCar - campus Sorocaba
Autor:	daniela.jacinto
Palavras-chave:	Descendentes; Quilombo; Os Camargo; Delimitação de Território;

Descendentes de escravo mostram como era feito o Caminho dos Negros

Escritura datada de 1874 e guardada na Cúria Diocesana comprova a posse das terras

Cruzeiro do Sul Sorocaba-SP em 2014-03-23 00:00:00.0 edição 33363