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O trote universitário é coisa antiga no Brasil. O primeiro caso registrado, em 29 de março de 1831, já indicava que a brincadeira não iria terminar bem. Um estudante da Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco, não aceitou as humilhações impostas pelos seus veteranos, práticas que aprenderam com seus colegas da Universidade de Coimbra, em Portugal, também no início do século 19.

A informação é do pesquisador Antônio Álvaro Soares Zuin, autor do livro Trote na Universidade: Passagens de um Rito de Iniciação. A vítima do trote, Francisco da Cunha e Menezes, foi pega por um veterano - de nome Joaquim Serapião de Carvalho, possivelmente - e acabou morta a facadas e bengaladas, depois de resistir à brincadeira violenta.

O próprio nome "trote" remete, em português, a uma característica animal, o trotar, afirma Zuin, que também é professor de educação da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).

Texto na íntegra:

O trote universitário é coisa antiga no Brasil. O primeiro caso registrado, em 29 de março de 1831, já indicava que a brincadeira não iria terminar bem. Um estudante da Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco, não aceitou as humilhações impostas pelos seus veteranos, práticas que aprenderam com seus colegas da Universidade de Coimbra, em Portugal, também no início do século 19.

A informação é do pesquisador Antônio Álvaro Soares Zuin, autor do livro Trote na Universidade: Passagens de um Rito de Iniciação. A vítima do trote, Francisco da Cunha e Menezes, foi pega por um veterano - de nome Joaquim Serapião de Carvalho, possivelmente - e acabou morta a facadas e bengaladas, depois de resistir à brincadeira violenta.

Jogar fezes, lixo, pintar, agredir e humilhar os calouros são rituais de iniciação dos estudantes que têm origem no século 14, por volta do ano 1340, na Universidade de Paris, muito antes do trote brasileiro.

O próprio nome "trote" remete, em português, a uma característica animal, o trotar, afirma Zuin, que também é professor de educação da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).

- O cavalo não nasce sabendo trotar, ele é domesticado para isso. Da mesma forma, a ideia de trote tinha essa característica: é como comparar um novato a um animal, que tem que se adaptar à nova vida. Os veteranos, ironicamente, usavam e usam a barbárie como ritual para marcar a entrada do novo estudante em uma suposta vida civilizada.

Juramento

O trote costuma passar de veterano para calouro. O professor da UFSCar ressalta que, já em 1491, na Universidade de Heidelberg, na Alemanha, essa característica era visível.

- Os jovens tinham que comer fezes com alimentos, vinho com urina, e eram obrigados a fazer um juramento de que iriam fazer isso no próximo ano [com os calouros]. A coisa se repetia.

Não à toa, o nome dado ao trote em outros países remete ao início de uma nova vida ou à agressão. Em inglês, usa-se o termo "to haze", que significa maltratar. Na Espanha, usa-se o termo "novatada". Já na Suécia, o termo "nollning" remete a começar do zero. Em Portugal, usa-se o termo "praxe", apesar de trote também ser um nome comum.

Hoje em dia, os trotes violentos são combatidos com seriedade e rigidez na maioria das universidades brasileiras. Quando descobertos, os responsáveis podem ser expulsos da instituição. Dependendo do nível de gravidade da “brincadeira”, pode haver prisão e processo judicial.

Mesmo assim, há casos recentes de estudantes que não se intimidam. Neste ano, o R7 registrou veteranos da UnB (Universidade de Brasília) que obrigaram alunas novatas a fazer sexo oral em linguiças com leite condensado. Na UFG (Universidade Federal de Goiás), os estudantes mais velhos obrigaram calouros a “comer” meias usadas.

O último grande caso de morte causada por trote no Brasil foi de um estudante de medicina da USP (Universidade de São Paulo), Edison Tsung Chi Hsueh, ocorrido em 1999. O jovem morreu afogado na piscina do centro atlético estudantil, na época. O caso foi arquivado em 2006, e, neste ano, completa 12 anos sem que ninguém tenha sido punido.

Sadomasoquismo

Para o professor da UFSCar, a lógica do trote é chamada de sadomasoquista - o veterano aplica a brincadeira violenta e tem um prazer sádico, que o calouro aprende a aceitar. Ele, como incorpora o masoquismo, espera que o seu futuro calouro permaneça em silêncio sobre a prática.

- Cursos mais tradicionais, como agronomia, medicina, direito e engenharia, têm uma tradição de trote mais violento. Temos relatos terríveis de trotes aplicados na Esalq-USP (Escola Superior de Agronomia). Os casos são inacreditáveis. O mais leve deles é que os calouros se ajoelham diante dos veteranos para mostrar submissão.

O costume do trote, principalmente nas cidades mais distantes e nas regiões rurais, está tão arraigado na vida universitária que é tomado como o único rito de passagem, que os novatos acabam aceitando sem reclamar, declara Zuin.

- Os calouros não veem outra forma de se integrar na universidade. Muitos aceitam ser tratados como animais para não ficarem isolados, e nós sabemos que isso acontece. Pode até existir um disque-trote, mas os veteranos descobrem quem denunciou, o excluem, fazem ameaças. Nós sabemos que há muitos casos em que isso acontece, até hoje. Justo no momento em que o novato tem todo o desejo de se integrar, ele acaba afastado.

Fechar os olhos

É comum que universidades fechem os olhos para o que acontece fora dos limites do campus, diz o professor da UFSCar. A responsabilidade pelo que fazem os alunos deveria ser integral. A adoção de canais de denúncia via e-mail e disque-trotes são importantes, mas não resolvem todo o problema.

Um dos primeiros casos de resistência ao trote foi registrado no século 19. O escritor Raul Pompeia fundou, em 1881, o grupo Nove de Setembro, como forma de inibir as brincadeiras violentas.

- É só vencendo a lógica da humilhação que algo vai mudar. Hoje, com a internet, eu creio que as imagens dos trotes vão ficar mais agressivas, mais voltadas para o espetáculo, como forma de buscar visibilidade. Os veteranos vão restringir o acesso aos vídeos, vão se esconder e usar o anonimato, mas não vão amenizar os trotes.

Gênero:

Matéria

Classificação:

UFSCar

Sub-classificações:

Geral

Autor:

LUÍSA FERREIRA
Rafael Sampaio

Pessoa citada/ entrevistada:

Antônio Alvaro Soares Zuin

Palavras-chave:

Trote; Universidade; Histórico; História; Calouros; Veteranos;

URL:

http://noticias.r7.com/vestibular-e-concursos/noticias/primeiro-trote-no-brasil-acabou-em-morte-20110321.html

Primeiro trote no Brasil acabou em morte

Brincadeiras começaram na Europa, no século 14; brasileiros "importaram" o trote

Portal R7 São Paulo-SP em 2011-03-21 00:00:00.01970-01-01 10:41:00.0